O que é uma dark kitchen ou cloud kitchen

O conceito de dark kitchens ou cloud kitchen chegou a Lisboa, Portugal, através da WEAT em 2020. As dark kitchens, também chamadas cloud kitchens, virtual kitchens ou até ghost kitchens, são cozinhas profissionais e industriais para alugar, que apenas produzem comida para entrega, seja via take away ou food delivery.

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Enquanto um restaurante tradicional vende as suas refeições no espaço adjacente à sua cozinha, as dark kitchens não têm serviço directo ao cliente e, estes, pedem as suas refeições, normalmente através de plataformas web ou no smartphone.

As dark kitchens, ao contrário do nome, não são escuras, nem virtuais e também não têm fantasmas. Pelo menos, a última vez que os Ghost Busters vieram cá à WEAT, com os seus Proton Packs, não detectaram nenhum Slimer nem fantasmas de Classe 1 a 4. Alguns de vocês já estão a pensar que é uma metáfora da ASAE, mas não. Também já nos visitou e continua tudo tranquilo e “nos conformes”.

Apesar de a WEAT não ser um conceito de dark kitchen puro, as nossas, bem iluminadas cozinhas WEAT, são as instalações necessárias, com todo o equipamento de para preparar a comida. No entanto, e por enquanto, não temos área de refeições para os clientes.

Mais do que dark kitchens, a WEAT apresenta-se como um Hub Gastronómico, ou Cowork Culinário, que procura ajudar empreendedores e start ups gastronómicas a lançarem os seus conceitos.

Como funcionam as dark kitchens ou cloud kitchens?

Do ponto de vista operacional, um negócio que produza numa dark kitchen ou cloud kitchen não vê muitas alterações relativamente a uma cozinha num restaurante que já incorporou alguma tecnologia.

Enquanto na parte da cozinha a operação se mantenha muito idêntica à normal, na parte de serviço e gestão, o processo está muito mais simplificado, com menos custos operacionais.

Operação numa dark kitchen para os “restaurantes virtuais”

Há duas pequenas diferenças no processo para os cozinheiros.

A primeira é que os pedidos chegam à cozinha através da plataforma de food delivery ou directamente pelos canais de venda directa do negócio (website, redes sociais ou apps dedicadas). Em muitos restaurantes tradicionais, os pedidos chegam à cozinha através de uma impressora que está ligada ao POS. Os empregados de serviço registam os pedidos e estes saem na cozinha, para que se dê início à confecção. Pouco muda, neste caso.

A segunda diferença, é que, em vez de colocarem a comida num prato que depois será levada ao cliente por um empregado de serviço, esta é colocada em embalagens. Posteriormente essas embalagens são levantadas directamente pelos clientes ou transportadas por um estafeta de moto ou bicicleta.

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No caso de ser de uma plataforma estilo Uber Eats ou Glovo, este estafeta é também um, chamemos-lhe “empreendedor”. Isto, porque não tem relação nem com o restaurante nem com a aplicação. Desta forma, os custos operacionais da entrega não estão imputados directamente aos “restaurantes virtuais”, não tendo um custo fixo de um motorista a tempo integral.

Processo das dark kitchens para os consumidores

No caso dos consumidores, o processo já é completamente diferente.

Primeiro, os consumidores não se deslocam ao local de confecção e produção da comida, vulgo restaurante.

Segundo, não se limitam ao menu desse local, mas têm uma diversidade de escolhas, escolhendo não só do menu de um restaurante, mas de todos os que lhe estão geograficamente próximos.

Terceiro, se utilizar uma plataforma como a Uber Eats ou Glovo, o pedido é feito através do smartphone com toda a comodidade, onde pode ver promoções, vários tipos de comida e conceitos e até novidades.

Quarto, o pagamento é feito automaticamente à plataforma, que mais tarde faz contas com os restaurantes.

Razões do nascimento das dark kitchens

O sucesso das plataformas online como a Uber Eats, Glovo e Sushi at Home (em Portugal) entre outras, pavimentaram o caminho para o aparecimento de dark kitchens ou cloud kitchens.

Estes novos canais de entrega permitiram aos restaurantes ligarem-se mais facilmente às pessoas. Assim, os seus clientes podem, com bastante comodidade, receber a comida nas suas casas ou locais de trabalho.

Esta pequena transição facilitou o processo de levar comida aos clientes. Pequenos e mais flexíveis restaurantes viram a sua faturação aumentar. Com uma procura crescente, muitos empreendedores que queriam entrar no mercado gastronómico viram isto como uma oportunidade. Já não precisam de ter serviço directo ao cliente para poder vender a sua comida, reduzindo custos operacionais.

Alugando uma dark kitchen, os empreendedores passaram a ter ainda outra vantagem: a não existência de investimento inicial em equipamento e infraestrutura.

Com as dark kitchens, o lançamento e teste de novos conceitos é agora mais fácil e acessível, promovendo a inovação. 

 Financial Times, 2019

Muitos empreendedores que, até agora, não puderam lançar-se devido às barreiras à entrada, viram uma enorme oportunidade para montar um negócio, quase sem risco.

A ascensão das dark kitchens ou cloud kitchens

Nos EUA e Reino Unido já existem centenas, mas este conceito de dark kitchens ou cloud kitchens em Portugal ainda é recente. A maioria estão localizadas nas grandes cidades, como Londres.

Nestes países anglófonos, este mercado já representa cerca de 30% das vendas da indústria de alimentos, e estima-se que este valor tenha atingido os 50% durante os picos da pandemia.

Razões da popularidade das dark kitchens

O que antes era um mercado de opções bastante limitadas e não muito apetitosas, floresceu num menu delicioso, diversificado e peculiar de cozinha internacional, inovadora e experimental.

Com esta metáfora culinária espectacular, queremos dizer que o mercado do food delivery não veio roubar share aos restaurantes tradicionais, mas criar valor. Muitas pessoas que não querem cozinhar em casa, seja por comodidade ou por falta de tempo, abraçaram estes serviços. Nos EUA e Reino Unido, os millenials são responsáveis por este aumento de consumo, uma vez que valorizam muito o tempo, comodidade e novas experiências gastronómicas em detrimento de outros bens materiais.

No Reino Unido há muito tempo que as entregas de comida ao domicílio são comuns para uma noite tranquila de sábado com amigos ou família. Aos domingos, o food delivery é o “recuperador” de ressacas.

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Com a entrada das plataformas como Uber Eats ou Deliveroo (no Reino Unido), as opções evoluíram e a facilidade de pedidos online, a procura aumentou. Desta forma o número de pessoas que opta por comer de casa através de food delivery cresce de ano para ano.

Para acompanhar o aumento desta nova procura, os restaurantes tradicionais tiveram que adaptar os seus serviços para fornecer entrega de comida e evitar perder uma enorme base de clientes.

A chegada da pandemia veio acelerar este processo. Mas ao mesmo tempo, veio dar um fôlego aos sufocados restaurantes que viram os seus clientes presenciais desaparecer. As entregas de comida aumentaram 10 vezes, desde as restrições provocadas pelo coronavírus.

Apesar da pandemia ter alterado alguns hábitos, a popularidade do food delivery não vai acabar quando a pandemia acabar. Muitos restaurantes vão voltar a ver os seus clientes. Mas muitos novos “restaurantes virtuais” a operar em dark kitchens vão continuar a faturar, sem nunca ver os seus clientes. A isto se chama, criação de riqueza.

O futuro dos restaurantes com as dark kitchens

O futuro do restaurante mudou.

Muitos restaurantes tradicionais alteraram completamente a sua operação, funcionando apenas com take away e food delivery, sem intenções de regressar ao modelo tradicional. Outros restaurantes, devido às próprias idiossincrasias do seu negócio e comida, vão voltar apenas a servir directamente. Alguns vão ser mistos, optimizando a capacidade produtiva da sua cozinha para chegar e servir ainda mais clientes.

Mas também há aqueles restaurantes que mantiveram o espaço tradicional, expandiram a operação para dark kitchens apenas focada em food delivery. Desta forma, economizam num investimento inicial e outros custos operacionais, numa expansão para outras áreas geográficas.

Finalmente, muitos novos negócios nasceram apenas com o propósito de operar em dark kitchens, sem nunca terem intenção de tentar um modelo tradicional.

Quem procura uma dark kitchen

O modelo de negócios de quem aluga uma cozinha industrial e profissional (dark kitchen), permite facilmente a criação de um conceito de marca e testá-lo numa área geográfica, demográfica e classes sociais específicos.

Por exemplo, há proprietários de restaurantes que decidem expandir o seu negócio para outra área geográfica e querem testa-lo antes de abrir um espaço próprio.

Dan Warne, o diretor-gerente da Deliveroo UK, explica bem esta forma de pensar:

“A ideia é ajudar os restaurantes a expandirem-se para novas áreas, com muito menos custos que teriam tradicionalmente.”

 Dan Warne, o diretor-gerente da Deliveroo UK

Tipos de negócios a operar em dark kitchens

  • Novos (ou velhos) empreendedores que procuraram criar um novo conceito de comida e querem testa-lo, antes de investir em espaço próprio.
  • Empresas de catering que precisam de um espaço para produção pontual.
  • Empresas que produzem packs de refeições semanais e entregam directamente aos seus clientes.
  • Restaurantes de sucesso que querem expandir a sua área geográfica.
  • Empresas exclusivas de dark kitchens que querem minimizar custos de gestão, amortizações e problemas operacionais.
  • Restaurantes que procuram expandir a sua cozinha ou ter uma unidade de produção central.

Modelos de negócios de dark kitchens

A “tradicional” dark kitchen

Um negócio ou marca aluga um único local de cozinha e se especializa num único conceito e depende das plataformas de entrega.

Dark kitchen para take away

Semelhante à configuração tradicional, mas também permite que os clientes os visitem e levem directamente a sua comida.

Multimarcas

Para manter os custos operacionais baixos, várias marcas compartilham uma única cozinha debaixo do “chapéu de chuva” de uma única empresa. Ou seja, a mesma empresa pode, para optimizar a produtividade ter dois ou mais conceitos diferentes a produzir ao mesmo tempo no mesmo espaço, servindo comida diferente a clientes diferentes.

Dark kitchens de agregadores ou plataformas de entrega

Algumas plataformas, como a Deliveroo no Reino Unido, montaram as suas próprias dark kitchens. Depois usam diferentes formas modelos de pricing, podendo não cobrar um aluguer fixo, mas apenas uma percentagem de faturação dos seus clientes. Por um lado, esta situação é atractiva para empresas que procuram não ter risco nenhum associado. Por outro, esta situação obriga a uma exclusividade com a plataforma.

Outsourcing

A mais recente adição ao modelo de negócios, são restaurantes a produzir em dark kitchens para terminar no seu próprio espaço e servir directamente. Em cidades o m2 é muito caro e a dificuldade de fazer obras e construir uma cozinha que cumpra os requisitos HACCP são grandes. Muitas cidades europeias só a instalação de um sistema de exaustão, torna inviável a criação de um restaurante no centro histórico.

A solução para alguns restaurantes foi o oposto de uma dark kitchen. Abriram ao público apenas uma área de serviço, com uma área de finalização de confecção, sendo a produção e preparação feita numa dark kitchen. Desta forma conseguem diminuir o tempo entre pedido e entrega de comida, diminuir custos de produção e operar em locais onde, da forma tradicional, seria impossível ter um restaurante.

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Vantagens das dark kitchens em Portugal

Menores custos

Não servir directamente clientes faz baixar drasticamente os custos operacionais enquanto se aumenta a comodidade aos nossos clientes.

São precisos menos empregados e o custo em imobiliário é muito menor, não sendo preciso escolher uma localização privilegiada e cara.

Parece uma situação win-win. Só não podemos afirmar com 100% de segurança, uma vez que parte da experiência de jantar num restaurante se perde. Por isso, o food delivery e as dark kitchens não canibalizam o mercado dos restaurantes.

Testar novos conceitos

Outra vantagem fundamental no modelo de dark kitchen é a capacidade de experimentar facilmente novas marcas, menus e conceitos. Não há premissas físicas a serem levadas em consideração quando as tendências alimentares dos consumidores mudam. As dark kitchens podem rapidamente passar para um menu ou conceito totalmente diferente a qualquer momento, adaptando-se da melhor forma e sem grandes custos às exigentes necessidades dos seus clientes. Se uma marca não estiver com a procura suficiente, a mesma empresa pode, simplesmente, criar outra e tentar novamente.

Maior flexibilidade

Flexibilidade e adaptabilidade: as dark kitchens são capazes de se adaptar facilmente à sazonalidade da procura e, inclusive, ter um conceito diferente para cada época do ano.

Em termos de tecnologia, as dark kitchens, utilizam os dados fornecidos pelos seus clientes para melhorar o seu marketing, utilizar formas directas de comunicação e terem uma maior adaptabilidade em tempo real à procura.

Optimização de processos e maior eficiência

Há um enorme optimização de processos e eficiência. À medida que as empresas se concentram apenas nos processos de preparação de alimentos, sem terem de se preocupar com a gestão completa de um restaurante, de empregados de serviço, de manutenção de equipamento etc., conseguem automatizar e optimizar os seus processos de produção. Esta eficiência é essencial para combater de igual para igual com empresas maiores, que já têm estas economias de escala.

Melhorar qualidade da comida

As dark kitchens permitem aos seus utilizadores melhorar a qualidade dos ingredientes e dos alimentos. A alimentação saudável ​​e ingredientes de qualidade são essenciais para os clientes de hoje. Menos custos fixos e operacionais significa maior margem de investimento na qualidade. Não apenas devido à procura, vemos muitas dark kitchens dedicarem a sua produção e marketing a alimentos de melhor qualidade.

Desafios de quem lança um negócio em dark kitchens em Portugal

Se chegaram até aqui, é porque estão já a pensar em montar o vosso negócio numa dark kitchen em Portugal. Apesar das muitas vantagens, também há, como em qualquer outro negócio, vários desafios.

Como a compra é muitas vezes feita através de plataformas online, o contacto cara a cara entre a empresa e o cliente desaparece. Isto representa uma dificuldade em dois sentidos.

Primeiro, porque perdemos uma oportunidade de comunicar com o cliente, ler a sua linguagem não verbal e antecipar o que ele procura e deseja, de forma a garantir a sua satisfação.

No caso de food delivery, se a nossa entrega não for igual ao pedido do cliente, não temos forma rápida de trocar, como num restaurante tradicional. Muito menos de oferecer um copo de vinho, porque a cozinha se atrasou com o pedido. Outras vezes o próprio cliente fez um pedido errado, porque clicou mal nos botões ou não percebeu o nosso menu. Num restaurante tradicional é fácil corrigir erros feitos por clientes, logo pelo empregado de serviço aquando o pedido, ou posteriormente com alteração do mesmo.

Segundo, o conceito de comida de uma cloud kitchen será julgado única e exclusivamente pela qualidade da comida. Um restaurante tradicional pode ter um charme e um romantismo associado que leva a experiência além da comida.

E aqui também, o food delivery, está dependente de terceiros para que a comida chegue com a qualidade com que saiu da cozinha. Um estafeta pode atrasar-se ou ter pouco cuidado com o transporte e transformar um hambúrguer numa jardineira.

Conclusão

Vivemos em tempos de incerteza, mas sabemos que as dark kitchens Portugal vieram para ficar.

Não vieram para revolucionar o mercado da alimentação e restauração. Mas estão a criar valor, criar novos empregos e a ajudar empreendedores que ficaram sem trabalho durante a pandemia.

Alguns consumidores são contra estas “cozinhas escuras” porque acham que a sua comida é inferior, quando a realidade, de uma forma geral, é contrária. Outros consumidores já adoptaram esta forma de pedir comida, utilizando-a 5 vezes por semana.

Mais oferta, mais inovação, mais diversidade é o que as dark kitchens oferecem aos consumidores.

Menos riscos, menos custos e menos problemas de gestão é o que as dark kitchens oferecem aos seus utilizadores.

Assim sendo, as dark kitchens em Portugal ainda vão iluminar muito o mercado gastronómico (esta última metáfora já foi um bocado forçada, mas queríamos acabar em beleza e precisávamos de uma parangona!).